Hangover

Sinto-me de ressaca. Sinto-me como se me tivesse passado um camião por cima, sinto-me como se ontem tivesse bebido como se não houvesse amanhã, como se a noite tivesse sido a última e a manhã de hoje não interessasse. Sinto-me assim, um peão num tabuleiro de xadrez, a primeira bolacha do pacote, somente mais uma folha na árvore; sinto-me como se algo estivesse a ocorrer e eu não conseguisse acompanhar... é suposto? É suposto observar tudo aquilo que, supostamente, se conhece, e não se reconhecer nada? Os dias passam, uns maiores que outros, tendo somente em comum o facto de começarem de manhã e terminarem à noite, e, quando esta surge, tudo reaparece com ela. Encontrar quem segure, quem suporte, quem aceite a falhas e mesmo assim seja capaz de perdoar os erros cometidos é tão mas tão raro, serei a única a achar tal coisa?
As noites são cada vez mais longas, o brilhar do sol demonstra não ter qualquer tipo de significado quando não se sabe o que fazer com tanto tempo, quando não se encontra significado para as palavras usadas, fazendo pensar em mente alheia que nada tem significado; afinal de contas, coração frio, mãos quentes, e eu, logo eu, sempre com as mãos a escaldar. Por mais forte que se apresente o sol, por mais persistente que seja a vontade de descongelar, há sempre um pé atrás, algo que não deixa, algo que faz manter nem que seja somente um cantinho congelado, para, caso necessário, ser mais acessível criar muralhas, às quais somente quem passa, sou eu. 
Os relógios estão parados, estando certos somente certos duas vezes ao dia e, por mais que o tempo passe, nada passa... é suposto? É uma ressaca interminável, parecendo uma missão impossível de alcançar; é ver o cronometro a aumentar e, quando "dá a volta", encontra o zero de novo. 
Não quero dar a volta, não quero ser um relógio parado, não quero negar algo a quem deu tudo, e, por mais que tente, tal ocorre sempre. Dei tudo, e eternamente o darei, sem esperar algo em troca, e não o espero, sem "mas" e "e se...", sem vírgulas e pontos finais, serei para ti uma obra-prima, serei para ti a luz ao fundo do túnel, pois apesar de não brilhar por mim ou para mim, por mais fundida e apagada que esteja a lâmpada, para te mostrar o caminho, funcionará eternamente. 
Sinto-me de ressaca sem ter bebido um único copo, sinto-me de ressaca por estar de ressaca, sinto-me eu, e eu sinto-me assim, como sou: fraca, mas forte.
Achas isto pesado? Achas isto forte e que consome cada milímetro de energia? Achas exagerado? Se soubesses aquilo que eu apago, aquilo que não chegas a ver mas que eu escrevo, linha a linha, palavra a palavra, leio e releio vezes e vezes sem conta, e, quando chega ao momento de enviar, apago tudo; seria tão bom ser possível fazer isso com as palavras que outrora sairam a minha boca e magoaram pessoas alheias a diversas e variadas situações nas coisas nem deveriam ter sido colocadas.
Sinto-me de ressaca; ressaca da presença, recessa da ausência, ressaca do tudo e do nada. Ressaca de ver de mais e de ver de menos, de saber o suposto e o que não é suposto, ressaca de já não ser ignorante, ressaca de mim, pois sinto-me a ressaca em pessoa. Posso não ter bebido uma garrafa inteira, porém, serei eu, sempre, somente, quem a abre.


Tempo voa, deixa-me voar, deixa-me libertar desta ressaca, porque no meio de tanto bêbado no mundo, eu ressequei sem ter bebido nada. 

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